terça-feira, 15 de setembro de 2020

Impactos de Políticas Públicas e de decisões político-ideológicas

Theodore Dalrymple coloca sistematicamente o dedo na ferida quando apresenta, de forma quase exaustiva e sistemática, exemplos de perversidades geradas por algumas políticas públicas britânicas, como a modernização dos centros de muitas cidades britânicas ou os apoios dados da seguridade social britânica a mães solteiras.

Essas perversidades não são exclusividade dos sistemas britânicos, elas ocorrem em todo o mundo quando as políticas públicas não são pensadas em todas as suas consequências (e em geral não são pensadas dessa forma).

Seguem-se dois exemplos norte-americanos, que se aplicam em muitos outros países que possuem regimes de apoio à infância e juventude tão estritos como o dos Estados Unidos (felizmente ou infelizmente, não é o caso do Brasil). Estes dois exemplos foram retirados do livro "Free to Learn" de Peter Gray.

A escolaridade é obrigatória nos Estados Unidos até ao final do Ensino Médio . O que acontece nos Estados Unidos quando uma criança ou jovem não comparece de forma sistemática na escola? Em geral, a escola comunica às autoridades competentes (em geral o Conselho de Menores local), que aciona o sistema judicial e a criança ou o jovem "negligenciado" é retirado da família e institucionalizado (de forma mais branda, em uma família de acolhimento, ou mais severa, em um abrigo ou casa correcional, no limite). Há questionamentos sobre as razões que levam a criança ou o jovem a não comparecer na escola? Em princípio não. Vejamos o seguinte caso:

Exemplo 1

Ana é uma jovem de 15 anos com problemas de peso. Podemos dizer que ela é obesa. Ana vive em uma pequena cidade do interior nos Estados Unidos que possui apenas uma grande escola de Ensino Fundamental 2. Devido à sua obesidade, Ana é um pouco tímida e os seus colegas de escola, que ela conhece desde os 3 anos, 'castigam-na' pela sua obesidade: estão constantemente a apelidá-la de 'vaca', 'baleia fora d'água', 'elefante' ou 'bisonte', acompanhando os chingos com sons guturais imitando esses animais. Ninguém se senta ao seu lado no ônibus escolar e na cantina: os poucos colegas que o fizeram foram advertidos que seria 'melhor para a sua saúde se o deixassem de fazer'. Por todo lado em que Ana passa atiram-lhe pedaços de comida: bolos, sanduíches, salgadinhos... Dia sim, dia sim. Ana não quer mais ir à escola, que se tornou um ambiente bem desagradável pois coisas ruins lhe acontecem todo dia, cada dia pior que o anterior. Os pais de Ana já foram à escola falar diversas vezes, alertando a direção e a supervisão sobre o que estava a acontecer com a sua filha e, por que são trabalhadores manuais sem grande escolaridade, foi-hes negada a possibilidade de Ana fazer homeshooling. Os seus avisos foram ignorados, pois professores, diretora e supervisora não se quiseram indispor com os restantes alunos da escola (era importante para eles sentirem que eram 'populares'). Ana, desesperada pela falta de alternativas, decidiu terminar com a própria vida.

Depois do trágico fim, a escola desenvolveu um extenso programa anti-bullying. Um programa como todos os outros: de eficácia duvidosa, servindo apenas para tapar o sol com a peneira. Antes deste rigor com a escolarização obrigatória a saída para garotas como a Ana eram bem mais simples e práticas, e sem consequências dramáticas: simplesmente abandonavam a escola que tão mal as trata!

Exemplo 2

Presumivelmente, um dos objetivos gerais da educação mais importantes é o incentivo ao pensamento crítico. No entanto, apesar das falas dos professores que se devotam a esse incentivo, a maioria dos alunos aprendem a evitar a pensar criticamente o seu próprio trabalho escolar. Eles aprendem que o seu trabalho na escola é terem boas classificações nos testes e que o pensamento crítico pode interferir com esse objetivo. Para obterem uma boa classificação, eles precisam apenas de perceber o que o professor quer que eles respondam e elaborar as suas respostas desse modo. Eu próprio (o autor original e este que vos escreve - Pedro - nomeadamente em conversas com estudantes e ex-estudantes do ensino superior e os meus próprios filhos) já escutei esse sentimento expresso inúmeras vezes por estudantes do ensino superior ou por alunos do ensino básico, em conversas tidas longe dos ouvidos de seus professores. (...) Em um sistema em que os professores dão as classificações, poucos alunos irão criticar ou até questionar as ideias ofertadas pelos professores e se os professores tentarem induzir criticismo classificando, eles irão gerar falso criticismo.

Um estudante contou-me algumas histórias interessantes sobre como ele e os colegas levavam 'seriamente' essa questão do pensamento crítico enquanto alunos que iam ser avaliados no Enem. Antes de entrarem no recinto da prova diziam uns para os outros: "Na redação não se esqueçam de esquerdizar!"